domingo, 25 de julho de 2010

Talking bout my generation

A minha geração


09/06/2009 12:24 Autor: José Manuel Fonseca

A minha geração está agora no poder. Entreteve-se em meados da década de setenta a discutir politica com um entusiasmo pueril, tipicamente adolescente, cheio de certezas e absolutos imperativos incontornáveis e inexoráveis.

Participou em RGA loucas e exuberantes, colocando tudo em questão, construindo futuros imaginários inadiáveis e inelutáveis.

A minha geração respirou a explosão do ar da liberdade sem verdadeiramente conhecer o cheiro fétido do medo de pensar e safou-se da guerra. A minha geração fazia directas na praia à luz da fogueira e de sonhos generosos discutindo filmes de Tarkovsky e as obras de Milan Kundera.

A minha geração descobriu o inter-rail, andou pelos campos e pelas cidades vivendo sem barreiras e quase sem limites.

A minha geração experimentou quase tudo o que havia para experimentar. Mas a minha geração envelheceu. É como aqueles pêssegos descongelados nas prateleiras dos supermercado. Era brilhante e radiosa. Mas quando chegou a casa já estava definhada. Macilenta e sem fulgor.

A minha geração rendeu-se. Ao dinheiro, ao estatuto, à fama, à capa de revista em que se anuncia ao mundo que se planeia um divórcio ou que se vai repuxar centímetro e meio de pele no focinho. Ao óbvio, ao pragmatismo, ao ‘leasing' da mota, ao silêncio.

A minha geração entregou-se. Vive de memórias do que poderia ter sido. A minha geração que tudo questionava aceita agora o absurdo como estado natural.

A minha geração "tuita" imenso com uma raiva instantânea quando uma pessoa tem um filho queimado e tem de ir com ele para Espanha, porque aqui há armazéns com aviões de combate no valor de milhões e milhões e milhões de euros encaixotados há anos mas não há um sitio para tratar crianças queimadas. Aliviando a consciência, a minha geração rendeu-se.

A minha geração que produziu motins por segundas chamadas de exame fica agora impotente perante os concursos de promoção que já toda a gente sabe antecipadamente qual o resultado.

A minha geração que discutia as letras do Lamb Lies Down on Broadway como se a seta do tempo dependesse da exegese, consome agora doses cavalares de imbecilidade televisionada a que constitucionalmente temos todo o direito.

A minha geração que era inconveniente e comentava alto durante as sessões de cinema e levava a casa abaixo de riso, assiste agora sem reacção às nomeações de afilhados do jardineiro da cunhada do gajo da concelhia para directores do centro cultural de Alguidares de Centro.

A minha geração que prometia solenemente mudar o mundo, muda de camisa para ir assistir ao lançamento da primeira pedra da empresa presidida por um ex futuro deputado que enquanto foi subsecretário de estado a ajudou a criar facilitando tudo e um par de botas.

A minha geração que repudiava como heresia e pecado inominável a falta de honestidade comprou uma casa na falésia com desconto da sisa mas dando de vez em quando um donativo para a Liga de Protecção das Minhocas em Extinção.

A minha geração envelheceu. Amadureceu e tornou-se igual a todas as outras que capitularam perante o "fado". Não há nada de especial na minha geração. Vai a Bruxelas e tem casas de cinco assoalhadas com estacionamento e ‘jacuzzi'. Acomodou-se. Vai a despacho.

A minha geração aprendeu que o respeitinho é muito bonito. A minha geração acotovela-se para aparecer na TV atrás do senhor ministro enquanto ele diz coisas com ar grave e advérbios de modo.

A minha geração tornou-se numa força incontornável de amanuenses venerandos e realistas. Eu sou da minha geração. Mas não tenho orgulho nisso.

(Fotos gentilmente cedidas pelo meu amigo Ch. Bártolo tiradas na estação de Aveiro)

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